Quando eu tinha nove anos, junto com Alda Léa, minha amiguinha de onze e Amorim, um jovem diretor de teatro de uns trinta ou mais – minha lembrança de menina não me ajuda a acertar – ficávamos horas a fio ensaiando uma peça na qual minha amiga representava uma jovem, que como toda boa fofoqueira ficava na janela olhando a vida passar e eu, que entrava em cena com um guarda-chuva rendado que protegia mesmo era do sol, já que não chovia e com um vestido do século dezenove representava outra boa fofoqueira e, como tal, parava para conversar e lá ficávamos as duas falando da vida dos outros. Na minha lembrança de menina era isso. Bem, mas o que importa mesmo é que desde lá fui aprendendo a interpretar personagens com suas intenções.
Um dos instrumentos do ator é a fala e com ela e através dela vamos encontrando a tonalidade, o colorido, a inflexão para conseguirmos atingir a intenção do personagem.
Às vezes, posso falar baixinho e conseguir passar uma força poderosa. Em outras situações, posso declamar o “Atirei o Pau no Gato” com muita doçura, apesar das palavras estarem dizendo o contrário.
Mas não é só no palco que se encontra esta dicotomia. Pela vida afora, se vê muita situação assim. Duplo vínculo. É barra. Alguém diz que você pode seguir o seu caminho e ser feliz, pois você merece e coisa e tal e que ele – o alguém – vai ficar bem, mas diz isso com os olhos lacrimejando e com a voz embargada. O que ele está realmente lhe dizendo é: “Vai, mas eu vou morrer sem você.”
Não adianta querer ensinar ao seu filho a ter fé na vida, a ter força para lutar, a ter perseverança nos seus propósitos se você falar com aquela voz de derrotado e cansado de tanta luta e descrente da vida. Mas se sua intenção é fazê-lo desistir, aí sim, use esta modulação.
Para se falar uma mentira você tem que ser ator, só que você não está no palco; é a sua vida que você está vivendo. Então, não adianta dizer para o maridão que você não foi ao shopping fazer compras e que não gastou nada, com uma voz trêmula, fraca, baixa e com a culpa gritando. Não adianta mentir. Encara logo a verdade crua e aguente a bronca. Pois mentira tem perna curta ou seria melhor dizer “Mentira tem língua torta”?
Hoje, já não piso no palco, mas continuo contando histórias uma vez ou outra e vou tentando encontrar as intenções de cada personagem. A maior alegria do ator e contador de história e ir vendo as reações da plateia seguindo, vivendo, sentindo, vibrando, se envolvendo e sendo atingido pelas intenções dos personagens. É a glória! Como conto histórias para crianças, e esses enredos sempre terminam para cima então, é uma sensação extremamente gratificante ao terminar e ver em cada criança e, acredite, nos adultos, o sorriso se abrir com um brilho contagiante.
Portanto, inflexões, modulações, coloridos, tons que empregamos nas nossas falas podem aniquilar com sonhos e projetos de vida, destruir autoestima, acabar com admirações, confianças, valores de vida, mas podem também levantar moral, salvar projetos, exaltar sonhos, estimular criatividades, elevar almas.
Fica então a questão: O que importa? O que se fala ou como se fala?
Teresópolis, 27 de setembro de 2014.