Desde as minhas primeiras viagens à Bahia, ainda menina, me chamava a atenção as colheres de pau em seu mais variados formatos e tamanhos, além de tipos de madeira em que eram esculpidas. No Mercado Modelo, elas dominavam, e ainda dominam, presentes em quase todas as lojas.
Na cozinha da minha infância, elas mexiam doces e refogavam o feijão, mas nunca eram levadas para a mesa. E também não comíamos com elas. Aquelas colheres de madeira eram especialmente utilizadas só para o preparo da alimentação.
Foram feitas para darem o toque mágico no cozimento dos alimentos, perdendo suas funções, logo após, quando entraram em cena as colheres de metal, prata ou plástico.
Nos grandes tachos de cobre, elas rodam preparando os doces. Nas grandes panelas de pedra, elas giram misturando o feijão no tempero cheiroso. Verdadeiras bailarinas na dança da culinária.
Ainda encontraríamos, nos dias de hoje, um homem que gostaria de esculpir, como faziam os gauleses, uma colher de pau e oferecer para sua noiva como um pedido de casamento numa simbologia de ter sempre garantido sua refeição deliciosa quando retornasse do mar? Com certeza sim.
Não é raro encontrarmos maridos presenteando suas mulheres com panelas, centrífugas, batedeiras etc. nas datas festivas. Os filhos também. São as filhas que geralmente ofertam algo mais pessoal.
Nada contra as colheres de pau. Nada contra ir para a cozinha e fazer uma comida saborosamente mexida com e por ela. Nada contra oferecer uma refeição gostosa para quem quer que seja. Mas tudo contra fazer da colher de pau o martírio e a prisão.
Espalhar pela casa o aroma de uma deliciosa refeição, por que não? Mas por amor; curtição; prazer e tesão. Nunca por pressão.
Tirar o dia para ir comprar os utensílios mais modernos, não se esquecendo da velha colher de pau. Mas ganhar? Só se for aquele livro recém-lançado, aquele CD tão esperado, aquele perfume preferido, aquele vestido tão desejado.
E ficar torcendo para que aquela colher de pau seja realmente mágica para que o cozimento seja supimpa, mas bem rápido sobrando-nos tempo para fazermos tudo o mais que nos encanta, nos preencha, nos traga a alegria de viver para sermos mulheres inteiras.
Que os pedidos de casamento venham sem colheres de pau.